Património paisagistico e ambiental da Quinta do Paço
Comunicação da arquitecta paisagista Aurora Carapinha
Património paisagistico e ambiental da Quinta do Paço
A Professora Doutora Aurora Carapinha começou por afirmar que, mesmo sendo docente da Universidade de Évora, não se identifica com o projecto apresentado, dada a importância do património em causa. Também sublinhou que não se opõe a que o património seja considerado como um recurso: «eu não vejo nada em contrário a que o património possa ser usado como um recurso de animação, de dinamização cultural, económica de uma região». Salientou, no entanto, a necessidade de haver regras e conhecer bem onde se está a trabalhar. «O património paisagístico tem uma debilidade que é a sua própria natureza». Neste caso, temos que encarar estes elementos como uma obra única, «são um conjunto que foi pensado simultaneamente». A planta então apresentada mostra que há uma unidade neste conjunto que ultrapassa a quinta do Paço de Valverde, «integrando-o numa rede a que pertencem as cercas conventuais ou os conjuntos conventuais da província de N.ª Sª da Piedade dos frades Capuchos» (…) «Este convento apresenta um conjunto de regras, de tipologias, que estão bem definidas em documentos históricos: as Crónicas e o princípio da Regra dos Capuchos.»
Referiu também o primeiro estudo realizado sobre a Quinta de Valverde enquanto propriedade da Universidade, em 1995, da autoria de Rafael Domingos, é um trabalho de base, exaustivo, que ainda hoje é usado para o conhecimento de todo o conjunto, quer da vegetação, quer dos elementos construídos. A degradação física destes espaços aumentou nos últimos anos, é difícil estancar essa degradação, mas há elementos positivos, como os trabalhos realizados por vários investigadores, que referem elementos históricos e paisagísticos sobre este conjunto da Quinta do Paço de Valverde. Não há uma certeza sobre o projectista, o mentor deste projecto, se seria Miguel de Arruda, e também menos ainda sobre a cerca conventual.
À questão equacionada sobre se se trata de uma quinta de recreio ou um horto de recreio, respondeu que podemos afirmar que se trata de uma quinta conventual e não de um horto de recreio (os hortos de recreio estão ligados às torres medievais, antecedem o séc. XVI). «Isto era uma quinta de recreio. Era a quinta, era um passal, onde os bispos iam passar férias», não longe do centro urbano (Évora) mas suficientemente longe para permitir o ócio; «É uma quinta de recreio com um convento lá dentro»; teria sido das primeiras a ser pensada e desenhada, onde se pode constatar o que é a paisagem do ócio, do recreio e da utilidade. Nessa dualidade reside o seu valor – uma quinta cujo programa funcional está ligado a um sistema hidráulico adaptado ao clima mediterrânico onde nos situamos. A necessidade da água é fundamental nesta organização produtiva.
A esta organização funcional associa-se um discurso simbólico que nasce da ligação à Igreja, do facto de ser um passal da Igreja, um espaço ligado a uma cerca conventual, aos frades Capuchos. Esses elementos simbólicos são o jardim de Jericó (que é efectivamente um tanque), o deserto (onde estão as capelinhas: Penhas, S. João do Desterro e S. Teotónio). «Paralelamente a isto, nós temos um discurso que organiza o espaço funcional marcado pela necessidade de rega do espaço de produção». «Todas as cercas conventuais dos frades Capuchos têm a cerca, o deserto e o jardim de Jericó, não há uma que não tenha. Todas têm um pomar de laranjeiras, todas têm funções hortícolas e uma mata». O deserto simboliza a ideia de afastamento, do início, e está presente numa área definida da quinta conventual.
A água está sempre presente, a Casa da Água, o aqueduto (que nasce de uma transformação económica, da necessidade de encontrar mais água de rega) e o terracionamento; a Casa da Água é uma construção gótica e «uma belíssima Casa do Fresco, com uma sonoridade linda», uma mata e um labirinto de citrinos que teria sido o primeiro labirinto de citrinos da Península Ibérica, anterior ao do Alcazar de Sevilha. Hoje estes elementos já não existem, nem as laranjeiras nem os terraços.
O Paço, construído numa linguagem renascentista (com um jardim secreto e uma enorme gaiola de pássaros exóticos), a cerca, e uma tapada (estrutura de conservação da natureza com lenha, caça, mel, plantas tintoreiras), que se estendia pela encosta até ao muro, representam outros elementos integrantes deste conjunto. Estes espaços não são espaços verdes nem espaços exteriores, como se refere no projecto. “Vamos tendo uma ideia do que são estes espaços. (…) Isto [de que falamos] é uma quinta de recreio que tem significado: tem hortas, tem pomares, tem mata, tem deserto, tem capelas. Não é um espaço exterior.» Tem um sistema hidráulico que necessita de mais investigação arqueológica para definir melhor certos elementos.
A construção que se propõe situa-se onde não há vestígios arqueológicos, numa área de 1500 m2 que se supõem livres, mas que não fazem sentido. Pode haver destruições destas estruturas e por isso salientou o parecer negativo da Direcção Geral da Cultura do Alentejo (DRCA), que refere as questões fundamentais. Considerou que não concorda com toda esta construção prevista (900 m2 com subcave, além da piscina…) porque se trata de um sistema de encosta, sendo um sistema húmido, a construção compromete todo o sistema. O problema a ter em conta não é a vista, é a relação ecológica com a relação cultural, a construção não tem sentido por razões que se relacionam com a ecologia do lugar: os frades conheciam o lugar – «a escala, por exemplo, do deserto – das capelinhas, do deserto, das árvores – vai diminuir, o deserto já não vai estar isolado, estamos a ir ao conceito, à base do conceito».
Como se poderá construir aqui, dentro da estrutura ecológica municipal? A DRCA afastou-se do processo, que já está na Câmara Municipal de Évora. Toda a área está em estrutura ecológica, abrange 1500 m2, sem contar com a piscina. Referiu ainda que a área seria uma área partilhada entre investigadores da Universidade e os utentes do Hotel – podemos imaginar aqui situações ridículas… quem iria gerir esse espaço entre a hotelaria e a investigação? Outra preocupação relevante seriam os parques de estacionamento colocados em zonas sensíveis.
Para terminar, lamentou a ausência do promotor, porque seria sempre útil a audição e o esclarecimento que poderia trazer.
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