Debate no Grupo Pro-Évora sobre a utilização de monumentos arqueológicos

 

O recurso a monumentos arqueológicos para a realização de espectáculos e os grandes afluxos turísticos de que os mesmos são alvo verificam-se crescentemente, sem que sejam acauteladas as características patrimoniais dos monumentos. A recente realização de espectáculos no Cromeleque dos Almendres e nas Termas Romanas de Évora levou o Grupo Pro-Évora (GPE) a emitir um Comunicado no dia 11 de Julho (v. Diário do Sul, 16/7/2018) e a realizar um debate sobre a utilização de monumentos arqueológicos no dia 17.

Na apresentação do tema do debate aos muitos presentes, o arqueólogo António Carlos Silva, depois de considerar que a utilização de património monumental pode ser um contributo positivo contra a sua degradação, reafirmou a necessidade de uma avaliação técnica prévia a qualquer utilização espectacular, tal como o GPE defende no seu comunicado. Os decisores devem ter em consideração as recomendações dos avaliadores e, havendo dúvidas, há que salvaguardar o monumento em causa – in dubio, pro patrimonio, disse. E referiu que, em geral, não temos as estações arqueológicas devidamente preparadas para esse tipo de ocorrências. Relativamente ao espectáculo nas Termas Romanas, António Carlos Silva considerou que, embora não estando na posse de toda a informação, à partida teria algumas reservas, porque, do conhecimento que tem do monumento (pois acompanhou tecnicamente a intervenção de diagnóstico e de consolidação que foi levada a cabo há cerca de dois anos por iniciativa da Câmara Municipal de Évora - CME), nota-se que ele tem problemas muito graves de conservação. «Passados meses, a mesma entidade autoriza uma intervenção na própria estrutura, na zona mais sensível, (...) com problemas óbvios de conservação. Não percebo! A decisão pendeu para o lado pior», disse o arqueólogo.

Manuel Branco, historiador e ex-Vereador da Cultura da CME, lamentou a ausência de alguém que representasse a CME e estranhou muito a decisão de realizar o espectáculo nesse local tão frágil, afirmando que não foram acauteladas as condições que os técnicos definiram.

Quanto ao Cromeleque dos Almendres (classificado Monumento Nacional em 2015, por proposta do GPE em 2009), António Carlos Silva projectou uma série de fotografias com as mais variadas utilizações que são feitas do monumento, sem que se notem os mínimos cuidados de salvaguarda. Preocupa-o não haver «rei nem roque num património tão relevante» e criticou a Entidade Regional de Turismo do Alentejo (ERTA) por usar o cromeleque frequentemente nos seus documentos de promoção da região, sem se preocupar com as consequências que o vasto afluxo de turistas provoca no monumento nem com as condições que o mesmo oferece para acolher tantos visitantes. «Tem que haver um mínimo de regras!», disse.

António Meneses, residente na zona do monumento e utilizador regular da estrada de acesso, referiu o grande número de pessoas que ali se deslocam e os riscos de incêndio, que a falta de limpeza das bermas pode potenciar. No espectáculo recente, iniciativa da Casa Cadaval com apoio da CME, «havia centenas de pessoas, fez-se fogo...». No dia-a-dia, «não há guarda..., estamos à espera que aconteça algo» para se intervir. «Andamos nesta luta já não sei há quantos anos. O proprietário da herdade dos Almendres diz que o Presidente da CME vai fazer um plano, mas, mais uma vez, sem que as pessoas que vivem ali sejam tidas em consideração», disse.

O arqueólogo Rafael Alfenim colocou o problema da propriedade e das obrigações do Estado: o artigo 9º da Constituição da República Portuguesa estipula, na sua alínea e), que é tarefa fundamental do Estado “proteger e valorizar o património cultural do povo português...”, lembrando também a situação da Anta Grande do Zambujeiro. «Estamos a falar de sítios excepcionais e extraordinários!», que exigem «estudo, preparação e controlo das visitas», incentivando o GPE a pressionar as administrações. João Pires, arquitecto, em representação da DRCAL, referiu as obrigações do proprietário, enquanto primeiro responsável pelo monumento, considerando que as possibilidades de multa ou de expropriação são complicadas, pelo que a DRCAL procura negociar as soluções, reconhecendo que, «para já, estes problemas vão continuar», já que «acontecem todos os dias no cromeleque».

José Ribeiro perguntou se o município ou a DRCAL têm possibilidades de intervir, tendo o jurista Hugo Porto, da Direcção do GPE, esclarecido que, quando um proprietário não cumpre as suas obrigações de conservação de um monumento classificado, a Administração estatal intervém e pode expropriar os bens, o que exige disponibilidade financeira, que não há, «pelo que resta e contratualização». Acrescentou que «o Estado pode tomar posse administrativa e pode inibir o acesso», mas são sempre necessários meios financeiros. O professor Celestino Froes David, também da Direcção do GPE, realçou o carácter único do Cromeleque dos Almendres, em termos nacionais e mundiais, e considerou que é necessário que «alguém lá esteja permanentemente», acusando o Estado de pouco fazer pela salvaguarda do monumento e de ser o responsável pela degradação a que se assiste. A CME e a DRCAL «têm que se entender com o proprietário», disse. Manuel Branco também culpou o Estado pela situação do cromeleque, constatando que, se o Estado faz expropriações para construir auto-estradas, não o quer fazer em relação a este monumento.

Paulo Figueira, depois de o GPE ter informado que estava a preparar um documento sobre o Cromeleque dos Almendres para enviar às entidades responsáveis, apelou a que o mesmo seja enviado a tempo de poder ser considerado nas conversações que se realizem. Libânio Murteira Reis, que se dedica «à fruição esclarecida do património», nas suas palavras, entende que todos os responsáveis, incluindo as empresas de animação turística, se devem reunir para ponderarem as soluções para o cromeleque. Realçando a importância do monumento para o desenvolvimento de Guadalupe e a «enorme quantidade de pessoas» que o visitam, apresentou propostas de estacionamento na povoação e de acesso controlado ao monumento, dando como bom exemplo o caso da gruta de Escoural.

O arquitecto paisagista Nuno Lecoq, da Direcção do GPE, realçou também o elevado número de autocarros e de carrinhas que cruzam a estrada de acesso ao cromeleque e a necessidade de as entidades responsáveis se reunirem com urgência. Sendo um «monumento excepcional, choca que haja empresas que tirem partido dele e não colaborem nada» para a sua conservação, disse. «A circulação das pessoas no meio do cromeleque é o mais preocupante», referiu, assinalando os regos largos que se notam no solo e a base dos menires com evidente falta de terra, resultado da erosão, e defendendo o revestimento do espaço do cromeleque com um prado natural, sem que os visitantes possam entrar no recinto.

Marcial Rodrigues, Presidente da Direcção do GPE, realçou a preocupação do Grupo pelas utilizações abusivas de monumentos arqueológicos, para as quais o GPE alertou a comunidade e promoveu o necessário debate público. Informou que, em relação ao espectáculo das Termas Romanas, o Presidente da CME, em resposta a solicitação do GPE para que reequacionasse a sua realização, havia escrito que se tratava de um uso «de carácter único e excepcional», o que constituía tacitamente um reconhecimento do erro da decisão tomada. Informou ainda que o GPE está a ultimar um documento sobre o Cromeleque dos Almendres, sob a coordenação de Nuno Lecoq, que será oportunamente enviado aos responsáveis pelo monumento.

O GPE convidou o Presidente da CME e o Presidente da ERTA para estarem presentes no debate, mas ambos não responderam ao convite nem se fizeram representar.



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imageEsta edição bilingue (português/inglês) localiza e identifica cerca de 50 esculturas públicas. Com fotografias de Paulo Nuno Silva, mapas, fichas técnicas e textos introdutórios de Maria do Mar Fazenda, são propostos três percursos temáticos - Percurso Evocativo, Percurso Simpósio ’81 e Percurso (Re)Pensar a Cidade – que dão visibilidade e leitura às peças instaladas na cidade.

Este livro está disponível na sede do Grupo Pro-Évora

"Pela Biblioteca Pública"

imageRemonta a 1992 a intenção declarada, por parte dos responsáveis pela cultura em Portugal, de dividir a Biblioteca Pública de Évora, uma das mais notáveis do pais. Desde logo o Grupo Pro-Évora iniciou uma campanha de defesa desta instituição, a semelhança do que fizera aquando da sua fundação.
de Celestino Froes David e Marcial Rodrigues