Debate sobre a transformação da Quinta do Paço de Valverde - As intervenções da assistência

 

DEBATE SOBRE A TRANSFORMAÇÃO DA QUINTA DO PAÇO DE VALVERDE – AS INTERVENÇÕES DA ASSISTÊNCIA

Depois das comunicações de contextualização da concessão da Quinta do Paço de Valverde para a instalação de uma unidade hoteleira, foi dada a palavra a quem dela quisesse usar.

O primeiro a falar foi Nuno Cabrita, «adjunto do sr. Presidente da Câmara» (CME), que afirmou estar presente «em representação oficial da CME», acompanhado por dois técnicos da Divisão do Ordenamento do Território. Como arquitecto paisagista e corroborando as comunicações de Aurora Carapinha e de Manuel Branco, considerou que «o valor que aqui está em causa é indiscutível», «a quinta não tem sentido nenhum sem o valor paisagístico e cultural agrícola que ali está presente, disso não há dúvida nenhuma». Referindo-se às entidades envolvidas, afirmou não perceber «porque é que também não se pronunciam», confirmando «que de facto há um processo que já deu entrada na CME».

Em relação ao pedido do GPE para consultar o processo, que não obteve resposta da autarquia, afirmou «que não há dificuldade nenhuma, nem nunca haverá, em consultar qualquer projecto», «eu aliás estou um bocadinho surpreendido por não estar aqui (…) o projecto que está na Câmara, até porque os projectos são públicos». Mencionando que a Universidade de Évora (UE) terá «alguma responsabilidade» neste processo, que «o promotor não está presente, a Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA), pelos vistos, tem um parecer contrário, negativo, e terá sido ultrapassada» (pela Direcção-Geral do Património Cultural, que «dará uma carta branca, aparentemente»), o representante da autarquia eborense esclareceu que «a CME vai responder às suas responsabilidades, (…) é uma preocupação clara dos serviços, (…) a Câmara está preocupada, o valor e sensibilidade do local é óbvio». «A Câmara, como entidade licenciadora – por isso é que está presente –, está atenta a todos os valores em causa, (…) e pronunciar-se-á quando for o caso disso, mas tendo em conta tudo o que aqui foi dito».

Nuno Cabrita concluiu, referindo-se à questão da rentabilidade associada ao projecto: «rentável ou não, a verdade é que não se pode eventualmente dissecar uma coisa destas como se não constituísse um conjunto, isso é para nós, parece-me que para todos nós, óbvio, portanto não é um conjunto retalhável ou loteável nesse sentido». Seguiu-se uma breve troca de esclarecimentos sobre alguns aspectos da quinta de recreio dos arcebispos eborenses, na sequência de uma intervenção da arquitecta Elsa Caeiro.

Pediu então a palavra o professor Filipe Themudo Barata, recentemente jubilado da UE, que começou por «fazer uma declaração de interesses: eu não sou assessor de ninguém, não sou representante de ninguém, mas fui uma das pessoas que participou nesses termos de referência [do caderno de encargos do concurso público que levou à assinatura do contrato de concessão da quinta], portanto quero defendê-los». Depois de afirmar «se não fazemos nada, aquilo cai tudo», considerou, de acordo com normas da UNESCO, que, em termos de políticas públicas, devem ser chamados os privados, «porque sem os privados não há meios financeiros para suportar todo o património». Para Filipe Barata, o programa REVIVE «é uma boa alternativa para nós tentarmos fazer alguma coisa pela preservação do património». Em seguida, questionou a unidade da Quinta do Paço de Valverde – «eu não tenho a certeza que aquilo possa ser lido hoje como uma unidade», referindo alguns aspectos da história da quinta e a degradação ruinosa a que chegou no séc. XIX. Filipe Themudo Barata referiu depois «uma coisa que nós estamos pouco habituados a fazer e temos que fazer, que é negociar, nós temos que negociar o que é possível fazer e o que não é possível fazer, sob pena de aquilo cair tudo. E aquilo a que nós assistimos em Portugal, é o Estado classificar as coisas, a classificação implica uma coresponsabilização do Estado em conservar, e depois esquece-se dessa sua obrigação e deixa tudo cair».

Aurora Carapinha voltou a por em causa a construção numa área de reserva ecológica: «eu não posso estar a defender a reserva ecológica e ao mesmo tempo dizer ponham lá em cima 900 metros quadrados [de construção] no fim duma encosta que é uma zona baixa». Chamou a atenção para a integração da igreja do convento na vida social de Valverde, recordando que «havia uma romaria onde a igreja não estava fechada ao culto» e considerou que «as pessoas de Valverde têm que dizer se querem casar lá, se querem baptizar, há tanta coisa que se pode de facto negociar com o senhor do hotel, mas, pelos vistos, ele não quer. Isto não está em discussão ainda, mas era bom, nesta fase, (…) começar a introduzir estas coisas». «Estas estruturas são de todos nós, isto é património, é de todos nós! Pode ser explorado por um privado, não tenho nada contra, mas tem de haver aqui (…) divulgação e valorização deste património, que a Universidade não soube fazer. (…) Eu não estou contra o privado, nem estou contra o REVIVE, nem contra o projecto, tento é encontrar alternativas ao projecto, temos de negociar, temos de falar, mas para isso precisamos de interlocutores que queiram falar», concluiu.

Usou então da palavra o arquitecto paisagista Nuno Lecoq. Começou por recordar o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, «que fez em Portugal algo que é único no mundo, foi lembrar-se de fazer uma RAN e uma REN, uma Reserva Agrícola Nacional e uma Reserva Ecológica Nacional». Considerou, em seguida, o património da quinta «um conjunto, pensado como um conjunto»; tendo a quinta sido classificada como como imóvel de interesse público, «tem uma ZEP, uma Zona Especial de Protecção, e, se há uma ZEP, não é só para defender o Conventinho, é para defender todas as outras coisas que estão à volta e que também são importantes». «Também recentemente, graças também ao meu querido professor Gonçalo Ribeiro Telles, há uma coisa que se chama estrutura ecológica, e as estruturas ecológicas passaram a ser consideradas pela importância que têm, por serem um património natural, não quer dizer que não seja importante, é cada vez mais importante para a nossa vivência».

Nuno Lecoq concluiu integrando as diversas considerações que fizera: «eu também não sou contra o projecto, (…) eu considero o património também como recurso, não tenho nada contra os privados, antes pelo contrário, mas acho é que deve haver coisas que devem ser pintadas de encarnado e dizer assim: isto tem que ser preservado!», tal e qual como a RAN e a REN devem ser preservadas, «mas passamos a vida a arranjar estratagemas e a fugirmos a seguir estas coisas que estão escritas e que devem ser devidamente repensadas, portanto acho muito bem que haja uma negociação, (…) agora haver ali uma área que é estrutura ecológica e vão lá construir 900 metros quadrados?»

Falou de seguida o arquitecto Vicente Pereira, da UE: «eu conheço a quinta do Paço há 45 anos, nunca conheci ninguém muito interessado em recuperar, em fazer fosse o que fosse na Quinta do Paço», referindo depois a recuperação dos elementos construídos da quinta, iniciada em 2014, segundo projectos dos serviços técnicos da UE, aprovados pela autarquia e pela DRCA, faltando «apenas um troço do aqueduto e pouco mais». «A Quinta do Paço está a revitalizar-se, está a renascer», concluiu.

Tomou a palavra o estudante da UE Guilherme Arranja, para assinalar a importância da igreja do convento para a população: «conheço algumas pessoas de Valverde (…) e elas falaram-me da igreja do convento, elas tinham pena de estar fechada porque costumava haver a memória das pessoas lá se irem casar e baptizar os filhos, porque era muito bonito, e foi cortada ao público». Colocou duas outras questões de pormenor sobre a quinta, tendo sido esclarecido pela professora Aurora Carapinha.

Manuel Branco pediu a palavra e teceu diversas considerações, depois de manifestar o incómodo que a situação da Quinta do Paço lhe causa. «Nós temos muitas vezes belíssimos instrumentos na legislação para resolver tudo, o problema é usá-los e ser capaz de os usar e ter coragem de os usar, e ter dinheiro para os usar (…). O que nos devemos perguntar é o que é que o Estado, no seu sentido lato, consegue fazer (…). De facto, há mais de um século que aquilo é Estado, esteve entregue à Universidade estes anos todos, chegou à degradação que chegou (…)». Recordou o caso do Convento do Espinheiro, onde «a melhor solução que se encontrou não foi do Estado, foi dum privado e… fez tudo bem? Se calhar não fez, mas o que lá está, preservou o essencial e aquilo é hoje um orgulho para nós visitar o Espinheiro, enquanto convento (…). E, portanto, eu fico sempre balançado nestas coisas, quando ouço a prof.ª Aurora, fico convencidíssimo de que ela tem razão, mas depois pondero coisas e pondero isto, não é? Eu estou muito preocupado com este caso, mas eu acho que, como diz o prof. Filipe, a solução é negociar, negociar muito e encontrar uma boa solução. Estou convencido que a boa solução não é o Estado (…). Porque é que o Estado se viu na necessidade de fazer este negócio com um privado? Porque a Universidade não fez aquilo que nós gostaríamos (…). (…) Negoceie-se muito, acautele-se o máximo possível, mas não fazer nada é que acho que é uma tragédia».

Marcial Rodrigues interveio então, considerando que «para negociarmos, (…) as pessoas têm que cumprir certas regras, se esta estrutura está incluída na REN, então há aí uma linha vermelha que não pode ser passada, e se nós aceitamos que vão passá-la, então já não há negociação possível, (…) a lei existe, temos que a fazer valer».

A professora Antónia Sim-Sim pediu então a palavra, para constatar que «estamos aqui numa situação que é recorrente, é as coisas já estarem a andar, as coisas estarem quase aprovadas e então é que nós nos juntamos e reagimos sobre a situação. (…) Temos que ser muito mais activos enquanto cidade, enquanto cidadãos, muito mais intervenientes na defesa deste património que nos chegou (…).» Concordando com a negociação sobre o projecto, Antónia Sim-Sim defendeu a necessidade de intervir para evitar a ruína, mas «de modo a não prejudicar o espírito do lugar e salvaguardar os valores patrimoniais e ambientais». Finalmente, chamou a atenção para a importância de «ter uma opinião pública sensibilizada para o assunto (…), porque (…) a única coisa que temos é a força da comunidade que somos», realçando a relevância dos meios de comunicação social, incluindo as redes sociais.

 

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