Que Biblioteca Pública de Évora vai continuar?

O Grupo Pro-Évora tomou conhecimento, no dia 23 do corrente mês, do texto do «Protocolo para o Arquivo e Bibliotecas de Évora» que irá ser assinado pelo IAN/TT (Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo), pelo IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas), em representação do Ministério da Cultura, e pela CME (Câmara Municipal de Évora). Perante este Protocolo entende o Grupo Pro-Évora manifestar o seguinte:
1. Assinalar os seguintes factos: o MC e a CME terem chegado a novo entendimento que permitirá a construção dos edifícios que há muito a situação da BPE e do Arquivo Distrital de Évora exigiam; as duas bibliotecas (BPE e BME) integrarem uma unidade física; a manutenção do Depósito Legal na BPE (salvaguardando os aspectos abaixo referidos). Estes factos certamente beneficiarão os utilizadores destes equipamentos culturais.
2. Lamentar os erros e as imprecisões do preâmbulo deste texto - como acontece, por exemplo, nas referências a «um fundo de "Livro Antigo"», do tempo da fundação da Biblioteca Pública de Évora (BPE), e a sua mencionada proveniência «das extintas ordens religiosas», o que não corresponde à verdade; ou a deficiente redacção do sexto parágrafo...
3. Lamentar a não aceitação do princípio da biblioteca única, que permita à BPE cumprir as funções de biblioteca da rede de leitura pública e de biblioteca de investigação, dando continuidade à sua história bicentenária, princípio que temos defendido e que o Ministério da Cultura e a CME tinham aceite em Dezembro de 2001, como consta da acta da reunião então efectuada. Esta não aceitação revela a insensibilidade dos decisores políticos face a valores patrimoniais fundamentais e a sua incapacidade para os integrarem na actualidade. A criação de uma biblioteca municipal irá retirar à BPE algumas valências na área da chamada leitura pública que ela assumiu desde a sua fundação. Sempre defendemos que à autarquia, numa solução de gestão partilhada, cabem funções específicas nessa área (sobretudo as que dizem respeito aos públicos infantil, juvenil e escolar, animação cultural própria, descentralização em pólos concelhios, etc., envolvendo em muitos casos o recurso a novos suportes documentais e a novas tecnologias), sem que seja necessária a duplicação de instituições, como acontecerá com a existência de duas bibliotecas.
4. Chamar a atenção para a ambiguidade da Cláusula Segunda do Protocolo, quando se diz que será construído um edifício para «albergar duas bibliotecas: a futura Biblioteca Municipal de Évora (BME) e uma outra, constituída sobretudo pelos fundos bibliográficos mais antigos e valiosos da actual BPE e correspondentes obras de referência, mantendo a actualização do seu espólio através dos mecanismos próprios do Depósito Legal, que continuará a designar-se Biblioteca Pública de Évora (BPE)». De facto, essa «outra» biblioteca existe há 199 anos e não carece, portanto, de ser «constituída» sobre quaisquer fundos específicos, pois ela integra o rico e amplo acervo que lhe pertence pela sua história e por direito. Não acreditamos que esta redacção vise amputar a BPE de qualquer dos seus fundos nem de qualquer documento, repetindo as ambições que, em 1992, pretendiam dividir o seu espólio por duas bibliotecas. Tratar-se-á de um erro de redacção, que urge corrigir, sob pena de se virem a permitir abusos que põem em causa a integridade e a história da BPE. Igualmente a interpretação do que afirma acerca do Depósito Legal não é clara no texto presente, se se omitem os imensos fundos da BPE que não se enquadram na designação «fundos bibliográficos mais antigos e valiosos da actual BPE e correspondentes obras de referência». Aqui mais uma vez se nota a falta de rigor dos responsáveis por este Protocolo, o que nos deixa apreensivos.
5. Manifestar estranheza por se manter a tutela do IAN/TT sobre a BPE, pois se afigura absurdo que um instituto de arquivos possa continuar a tutelar uma biblioteca como a BPE. Que motivos presidem, então, a esta situação anómala? Cabe aos responsáveis o esclarecimento cabal. Recordamos que a legislação em vigor (Decreto-Lei nº 60/97 de 20 de Março de 1997) afirma o seguinte: «As condições em que se encontra a Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora aconselham também a sua separação em dois serviços distintos, ficando a Biblioteca sob a dependência do IAN/TT Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo transitoriamente até à sua passagem para a dependência do organismo que tutela as bibliotecas.» (Sublinhado nosso)
6. No momento em que se prepara a comemoração dos 200 anos da BPE, perante as ambiguidade, as imprecisões e os erros deste protocolo, cumpre-nos perguntar: que Biblioteca Pública de Évora vai continuar?

Évora, 27 de Setembro de 2004

A Direcção do Grupo Pro-Évora

Cromeleque dos Almendres Monumento Nacional

Aproveitando a visita comentada ao Cromeleque dos Almendres a realizar no dia 2 de Maio, sábado, pelas 11 horas, iniciativa da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica (Ciência Viva), em colaboração com o IGESPAR, integrada no programa Ciência e Património, o Grupo Pro-Évora vem alertar as autoridades competentes para a tomada das necessárias e inadiáveis medidas de salvaguarda deste monumento, há muito identificadas.
Os temas científicos a serem tratados na visita, focalizados na análise da relação do monumento megalítico com a paisagem envolvente, vêm reforçar a necessidade de uma prática de salvaguarda que tenha em conta não apenas a protecção da sua integridade física imediata, mas também a defesa do seu excepcional contexto paisagístico e ambiental, hoje em risco devido aos projectos de urbanização turística previstos para as suas imediações.

Assim, o Grupo Pro-Évora, na sequência de anteriores chamadas de atenção para a necessária preservação deste monumento megalítico de características únicas em toda a Península Ibérica, irá apresentar, junto da Direcção Regional de Cultura do Alentejo e da Câmara Municipal de Évora, as seguintes propostas:
1. Que o Cromeleque dos Almendres, classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1974, seja reclassificado como Monumento Nacional e dotado de uma Zona Especial de Protecção, que integre também o Menir de Vale de Cardos (também classificado, mas inacessível dado o corte abusivo de caminhos centenários) e tenha em conta a salvaguarda e protecção do seu excepcional contexto paisagístico.
2. Que, tão breve quanto possível, o estacionamento de viaturas dos numerosos visitantes, hoje feito praticamente em cima do Monumento, com todos os problemas para a sua conservação e até para a sua serena fruição, seja deslocado para local suficientemente afastado, para obviar àqueles inconvenientes. Igualmente se afigura necessário sensibilizar os visitantes para a importância patrimonial do conjunto, nas suas diversas componentes, com equipamento conveniente.
3. Que, urgentemente, sejam postas em prática as medidas de conservação do Monumento preconizadas em estudo do LNEC efectuado em 2006 por encomenda do ex-IPPAR, e que até ao momento não tiveram qualquer concretização.

O Grupo Pro-Évora tem consciência de que o facto de o Cromeleque dos Almendres, mesmo classificado, se situar em propriedade privada, pode dificultar a intervenção do Estado e da Autarquia, existindo legislação sobre Património Cultural que prevê a protecção dos valores culturais colectivos. O Grupo Pro-Évora apela à necessária vontade política e à boa colaboração por parte dos proprietários.

 

Évora, 2 de Maio de 2009

A Direcção do Grupo Pro-Évora

Sobre a defesa do Património

Em 16 de Novembro de 1919 foi formalmente fundado o Grupo Pro-Évora. Até hoje, somam-se noventa anos de actividade em defesa do património e de valores culturais da cidade de Évora.

Que sentido tem hoje a existência de um Grupo com estas características, quando o Estado, por meio de ministérios, delegações regionais, institutos específicos, autarquias locais e instrumentos de planeamento de diversa ordem, chamou a si as funções de preservação e valorização do património?

Sabendo que os contextos políticos, institucionais, sociais, económicos… sofreram alterações profundas e continuadas nestas nove décadas, quer em resposta a necessidades e interesses diversos (frequentemente marcados por imediatismos), quer por influência de contribuições teóricas que pretenderam solucionar novos problemas, a experiência histórica de um Grupo de defesa do património pode e deve constituir uma afirmação de estabilidade e de ponderação nos processos de decisão que marcam a vida da cidade. O modo como a actividade política tem sido praticada, frequentemente marcada por critérios eleitoralistas e imediatistas e tantas vezes recorrendo a personalidades exteriores às preocupações patrimoniais, reforça esta valia de um tal Grupo.

Considerando o assunto de outro ângulo, tem-se verificado, nos últimos anos, que a inexistência de grupos de defesa do património conduz a que as intervenções cívicas sejam muitas vezes dirigidas a casos específicos, criando-se movimentos isolados e efémeros, extremamente dependentes dos meios de comunicação social e palco de manobras político-partidárias; não só a sua eficácia fica, por vezes, comprometida, como, outras vezes, as causas são desvirtuadas. Nesta perspectiva, as associações de defesa do património podem ser uma referência da consciência cívica e, enquanto tal, uma garantia de participação mais eficaz dos cidadãos nos processos de decisão.

No caso de Évora, constata-se que não existe, da parte das instituições locais, com especial referência para os representantes do Estado, nenhum conjunto de princípios que tenha em consideração a especificidade da história da defesa do património da cidade. Tem sido apanágio do Grupo Pro-Évora, nas acções que tem empreendido, a afirmação e a assumpção de continuidades axiológicas, no quadro de um conjunto de princípios de salvaguarda e de valorização patrimoniais.

O Grupo Pro-Évora tem procurado pautar as suas intervenções por critérios que valorizam a partilha nestas tomadas de decisão, onde o interesse pela vida da cidade e dos cidadãos é prioritário e se encontra com a defesa e preservação dos valores patrimoniais. São estes valores a garantia de identidade que dá especificidade, não só ao Centro Histórico, mas à vida da cidade no seu todo. Desde a sua fundação que a história do Grupo nos ensina a necessidade de independência face aos poderes político-partidários, mas também nos obriga ao diálogo e à intervenção sempre que estes valores patrimoniais são postos em causa. Os exemplos são muitos e variados: a conservação de imóveis, a estética e a limpeza, a manutenção das características emblemáticas e simbólicas dos locais, a defesa de bens culturais imateriais, o modo como o turismo pode ser factor de bem-estar ou de degradação, tudo o que de formas diversas contribui para a vivência de uma cidade em permanente transformação. A tarefa não é simples nem fácil, exige um esforço contínuo e uma atenção constante, acompanhamento científico especializado e, sobretudo, a percepção, nem sempre evidente, do sentir dos cidadãos e da sua responsabilidade perante o futuro.

Foi o que sucedeu, por exemplo, aquando da recente discussão do Estudo de Enquadramento Estratégico do Centro Histórico de Évora, na qual o Grupo Pro-Évora enunciou princípios que entende deverem presidir a qualquer plano de intervenção nesta zona essencial da cidade e que se vieram a manifestar como importantes critérios de avaliação e de decisão sobre os projectos que se pretendam desenvolver. São eles:

1. A valorização do Centro Histórico de Évora implica a conservação e a qualificação da sua condição patrimonial. A espacialidade da cidade constitui a base sobre a qual todas as vivências se desenvolvem e o valor primeiro que identifica e distingue a nossa cidade. É essa a sua matriz identitária. Descaracterizar esta herança histórica significa destruir os elementos essenciais que suportam e afirmam a realidade da cidade de Évora, quer no tempo, quer na relação comparativa com outras cidades.
2. O grande valor para manter viva uma cidade histórica é a sua habitabilidade. Devem ser as pessoas, enquanto habitantes do espaço urbano, o centro das preocupações de qualquer plano estratégico de intervenção. Numa cidade com valor patrimonial, as condições que propiciam a qualidade de vida devem articular-se com a sua matriz identitária, não podendo pôr em causa os valores históricos, estéticos e vivenciais que a caracterizam.
3. O turismo é uma consequência das vivências e das características patrimoniais do Centro Histórico de Évora, não deve ser considerado como condicionador das mesmas, impondo modelos desadequados e desvirtuadores da identidade e da humanidade da cidade. O valor do património, enquanto recurso económico, reside na associação a uma identidade e às instituições que o criaram e lhe foram dando vida ao longo do tempo. Reduzir a realidade patrimonial a um espaço cénico uniformizado e estereotipado, adulterando as vivências dos seus habitantes, constitui uma diluição da sua organização social e cultural e uma forte desqualificação da singularidade histórica da cidade e do seu valor turístico.
4. As intervenções urbanísticas no Centro Histórico não podem ser determinadas por modismos – concepções sem conteúdo e extemporâneas –, causadoras de alterações muitas vezes irreversíveis. Seja em projectos de demolição ou de construção imobiliária, seja em prol de mobilidades e de acessibilidades pretensamente eficazes, a matriz identitária e a vida própria da cidade devem prevalecer.
5. Um plano estratégico de intervenção urbana deve apresentar metodologias bem definidas, articulando os diferentes projectos em função de uma clara ideia de cidade, e assumir mecanismos de controlo público permanente. A unidade e a coerência de um tal plano e a transparência própria de uma política democrática a isso obrigam.

O alheamento dos poderes políticos eborenses em relação a princípios de defesa do património tem custado muito dinheiro, pois têm sido encomendados estudos sem critério ordenador, que se traduzem em propostas eventualmente bem formuladas, mas inoportunas, socialmente fracturantes e inaplicáveis, porque marginais às vivências da cidade.
Das causas do GPE mais visíveis e suscitadoras de polémica na última década (os oitenta anos anteriores estão já, a este nível, analisados) – ordenamento do Rossio de S. Brás, utilização da zona do Templo Romano e do Museu como espaço cénico para a realização de espectáculos, destruição patrimonial na Praça do Sertório, defesa da unidade da Biblioteca Pública de Évora, Estudo de Enquadramento Estratégico para o Centro Histórico, projecto de intervenção no espaço público na zona do Templo e da Sé, no âmbito do projecto Acrópole XXI –, quanto não se teria evitado, em termos de conflituosidade, se existissem princípios claros de defesa do património que enquadrassem as propostas de intervenção?

Todas estas questões evocam a Memória da cidade, que não pode ser adulterada em função de conveniências momentâneas, potenciadoras do Esquecimento, que enfraquece e perturba a consciência identitária da polis. Memória e Esquecimento que, numa outra acepção, João Miguel Fernandes Jorge escolheu como título da exposição que assinala os noventa anos do Grupo Pro-Évora.

Celestino Froes David
Marcial Rodrigues

(Texto do catálogo da Exposição Comemorativa dos 90 anos do Grupo Pró-Évora – Da Memória e do Esquecimento)

"Guia de Escultura da Cidade de Évora"

imageEsta edição bilingue (português/inglês) localiza e identifica cerca de 50 esculturas públicas. Com fotografias de Paulo Nuno Silva, mapas, fichas técnicas e textos introdutórios de Maria do Mar Fazenda, são propostos três percursos temáticos - Percurso Evocativo, Percurso Simpósio ’81 e Percurso (Re)Pensar a Cidade – que dão visibilidade e leitura às peças instaladas na cidade.

Este livro está disponível na sede do Grupo Pro-Évora

"Pela Biblioteca Pública"

imageRemonta a 1992 a intenção declarada, por parte dos responsáveis pela cultura em Portugal, de dividir a Biblioteca Pública de Évora, uma das mais notáveis do pais. Desde logo o Grupo Pro-Évora iniciou uma campanha de defesa desta instituição, a semelhança do que fizera aquando da sua fundação.
de Celestino Froes David e Marcial Rodrigues